No post de hoje, resolvi publicar um conto lindo, de uma escritora russa do início do século XX de nome Teffi. Este texto foi traduzido por mim, com a ajuda de um amigo meu, o Miguel, que também o achou fascinante. Leiam e desfrutem esta peça.
TEFFI "Vida e a gola" As pessoas imaginam que tem poder sobre as coisas. Ás vezes uma pequena coisinha entra na nossa vida e muda-nos todo o destino, mas na direcção contrária á que ele tem de seguir. Maria, há três anos, era uma mulher honesta dum homem honesto. Era caladinha e tímida. Não dava nas vistas, amava fielmente o seu marido e contentava-se com a sua vida simples. Mas, certo dia, foi á Baixa e olhando para uma montra de uma loja de manufactura, viu uma gola bem engomada de senhora, com uma fita amarela que a atravessava. Como uma senhora honesta exclamou: “Que coisa estranha!”. Depois, entrou e comprou. Experimentou em casa, frente ao espelho. Afinal, se prender aquela fita amarela de lado em vez de à frente, faz-se uma coisa, inexplicável, que é aliás, mais bela do que feia... Mas a gola exigiu uma nova camisa. Das que tinha, nem uma servia bem a gola. Maria sofreu a noite toda, pela manhã voltou aos Armazéns e comprou uma camisa com o dinheiro das poupanças. Experimentou tudo junto. Estava muito bom, mas a saia estragava todo o estilo. A gola claramente, e com toda a certeza, exigia uma saia redonda com as pregas profundas.
Já não havia dinheiro disponível. Mas não se pode parar a meio do caminho?!
Empenhou as pratas e uma pulseira.
A alma estava em aflição e terror, e quando a gola exigiu novas botas, ela deitou-se na cama e chorou toda a tarde.
No dia seguinte ela andava sem relógio de pulso, mas calçada com as botas, que a gola encomendou.
À noite, ela pálida e confusa, gaguejando, falava à sua avó:
- Estou aqui por um minuto só. O meu marido está doente. O médico mandou todos os dias esfregar-se com conhaque, mas isso é tão caro...
A avozinha é generosa, e já na manhã seguinte a Mariazinha conseguiu comprar um chapéu, um cinto e as luvas: que ficavam bem com o estilo da gola.
Os dias seguintes foram ainda mais pesados. Ela andava por todos os familiares e amigos, mentia e pedinchava dinheiro, mas depois comprou um sofá repugnante em linha azul. Só de uma olhadela para o sofá ficava enjoada, o marido honesto também e até a velha cozinheira que roubava constantemente. Mas já há uns dias que a gola exigiu com insistência este sofá.
Ela começou a levar uma vida estranha. Não a sua. A vida da gola. A gola não era dum estilo claro, mas misturado e Maria tentando agradá-la desviou-se completamente do seu caminho.
- Se és inglesa e estás a exigir que eu coma soja, então para que tens esse laço amarelo? Para quê esta degradação que não consigo entender e que me põe em baixo?
Como uma criatura fraca e sem feitios, ela passado pouco tempo, baixou os braços e flutuou pela corrente, que a gola-canalha, manipulava com facilidade.
Ela cortou o cabelo, começou fumar e dava gargalhadas altas, se ouvi-se qualquer coisa de duplo sentido, indecorosa.
Muito no fundo da alma, ainda teve consciência de todo o horror da sua situação e às vezes, à noite ou mesmo de dia, quando a gola estava na lavandaria, ela soluçava e rezava, mas não conseguia encontrar uma saída...
Uma vez, até tentou contar tudo ao marido, mas ele pensou que ela simplesmente mandou uma piada estúpida e lisonjeando-a, riu por muito tempo.
Assim as coisas correram de mal a pior.
E perguntam vocês, porquê não resolveu ela isto mais simples: deitar fora pela janela aquele rebotalho?
Ela não conseguia. E isto não é estranho. Todos os psiquiatras sabem, que para as pessoas nervosas e frouxas, apesar de todas as torturas, alguns sofrimentos são necessários. E não vão trocar este doce sofrimento por uma paz saudável, por nada no mundo.
Então, Maria fraquejou cada vez mais e mais nesta luta, mas a gola fortalecia-se e tornava-se majestosa.
Um dia foi convidada para um jantar. Antes, ela nunca saía a lado nenhum, mas agora a gola enrolou-se ao seu pescoço e foi ao jantar. Aí ela era tão atrevida que chegava a ser inconveniente e rodava a cabeça ora á direita, ora á esquerda.
A meio do jantar um estudante, vizinho da Maria, apertou-lhe a perna por baixo da mesa. Maria explodiu de fúria, mas a gola respondeu por ela:
- É só isto?
Maria com toda a vergonha e horror estava a ouvir e pensava:
- Deus! Onde eu estou?
Depois do jantar o estudante ofereceu-se para acompanhá-la a casa. A gola agradeceu e alegre concordou, antes que a Maria conseguisse entender o que está a passar.
Mal se sentaram no coche, e o estudante murmurou com paixão:
- Minha querida!
Mas a gola riu-se baixinho e sarcasticamente, em resposta. Então o estudante abraçou a Maria e deu um beijo na boca. Os bigodes dele estavam molhados, e todo o beijo respirou com o salmão marinado, que serviam ao jantar.
Maria quase chorou de vergonha e ofensa, mas a gola sem embaraço virou a cabeça dela e riu-se novamente:
- É só isto?
Depois o estudante e a gola, foram ao restaurante ouvir os romenos. Foram à sala privada.
- Mas aqui não há música! – Revoltou-se a Maria.
Mas o estudante e a gola não lhe davam atenção. Eles bebiam o licor, falavam de frivolidade e beijavam-se. Maria voltou para casa já pela manhã. A porta, abriu-lhe o próprio marido honesto. Ele pálido, segurava na mão os recibos da casa de penhores, que tirou da mesa da Maria.
- Onde estavas tu? Não dormi toda a noite! Onde estavas?
Toda a sua alma tremia, mas a gola com agilidade guiava a sua linha.
- Onde estive? Com um estudante esvoacei.
O marido honesto balançou.
- Maria! Mariazinha! Que se passa contigo! Diz-me, porque empenhaste as coisas? Porque pediste emprestado dinheiro aos Fonsecas e Pereiras? Onde meteste o dinheiro?
- Dinheiro? Esbanjei!
E metendo as mãos nos bolços, ela assobiou, como antes nunca soube fazer. Aliás, como sabia ela essa palavra parva “esbanjei”? Será que ela disse isso?
O marido honesto largou-a e transferiu-se para outra cidade. Mas a maior amargura é que no dia seguinte, depois da partida, a gola perdeu-se na lavandaria.
A Maria dócil trabalha num banco. Ela é tão modesta, que fica corada cada vez que ouve qualquer coisa indecorosa.
- E onde está a gola? – Perguntam vocês.
- Não sei nada de nada, respondo eu – Ela foi dada à lavandaria, é aí que tem de perguntar. É a vida!...
Já não havia dinheiro disponível. Mas não se pode parar a meio do caminho?!
Empenhou as pratas e uma pulseira.
A alma estava em aflição e terror, e quando a gola exigiu novas botas, ela deitou-se na cama e chorou toda a tarde.
No dia seguinte ela andava sem relógio de pulso, mas calçada com as botas, que a gola encomendou.
À noite, ela pálida e confusa, gaguejando, falava à sua avó:
- Estou aqui por um minuto só. O meu marido está doente. O médico mandou todos os dias esfregar-se com conhaque, mas isso é tão caro...
A avozinha é generosa, e já na manhã seguinte a Mariazinha conseguiu comprar um chapéu, um cinto e as luvas: que ficavam bem com o estilo da gola.
Os dias seguintes foram ainda mais pesados. Ela andava por todos os familiares e amigos, mentia e pedinchava dinheiro, mas depois comprou um sofá repugnante em linha azul. Só de uma olhadela para o sofá ficava enjoada, o marido honesto também e até a velha cozinheira que roubava constantemente. Mas já há uns dias que a gola exigiu com insistência este sofá.
Ela começou a levar uma vida estranha. Não a sua. A vida da gola. A gola não era dum estilo claro, mas misturado e Maria tentando agradá-la desviou-se completamente do seu caminho.
- Se és inglesa e estás a exigir que eu coma soja, então para que tens esse laço amarelo? Para quê esta degradação que não consigo entender e que me põe em baixo?
Como uma criatura fraca e sem feitios, ela passado pouco tempo, baixou os braços e flutuou pela corrente, que a gola-canalha, manipulava com facilidade.
Ela cortou o cabelo, começou fumar e dava gargalhadas altas, se ouvi-se qualquer coisa de duplo sentido, indecorosa.
Muito no fundo da alma, ainda teve consciência de todo o horror da sua situação e às vezes, à noite ou mesmo de dia, quando a gola estava na lavandaria, ela soluçava e rezava, mas não conseguia encontrar uma saída...
Uma vez, até tentou contar tudo ao marido, mas ele pensou que ela simplesmente mandou uma piada estúpida e lisonjeando-a, riu por muito tempo.
Assim as coisas correram de mal a pior.
E perguntam vocês, porquê não resolveu ela isto mais simples: deitar fora pela janela aquele rebotalho?
Ela não conseguia. E isto não é estranho. Todos os psiquiatras sabem, que para as pessoas nervosas e frouxas, apesar de todas as torturas, alguns sofrimentos são necessários. E não vão trocar este doce sofrimento por uma paz saudável, por nada no mundo.
Então, Maria fraquejou cada vez mais e mais nesta luta, mas a gola fortalecia-se e tornava-se majestosa.
Um dia foi convidada para um jantar. Antes, ela nunca saía a lado nenhum, mas agora a gola enrolou-se ao seu pescoço e foi ao jantar. Aí ela era tão atrevida que chegava a ser inconveniente e rodava a cabeça ora á direita, ora á esquerda.
A meio do jantar um estudante, vizinho da Maria, apertou-lhe a perna por baixo da mesa. Maria explodiu de fúria, mas a gola respondeu por ela:
- É só isto?
Maria com toda a vergonha e horror estava a ouvir e pensava:
- Deus! Onde eu estou?
Depois do jantar o estudante ofereceu-se para acompanhá-la a casa. A gola agradeceu e alegre concordou, antes que a Maria conseguisse entender o que está a passar.
Mal se sentaram no coche, e o estudante murmurou com paixão:
- Minha querida!
Mas a gola riu-se baixinho e sarcasticamente, em resposta. Então o estudante abraçou a Maria e deu um beijo na boca. Os bigodes dele estavam molhados, e todo o beijo respirou com o salmão marinado, que serviam ao jantar.
Maria quase chorou de vergonha e ofensa, mas a gola sem embaraço virou a cabeça dela e riu-se novamente:
- É só isto?
Depois o estudante e a gola, foram ao restaurante ouvir os romenos. Foram à sala privada.
- Mas aqui não há música! – Revoltou-se a Maria.
Mas o estudante e a gola não lhe davam atenção. Eles bebiam o licor, falavam de frivolidade e beijavam-se. Maria voltou para casa já pela manhã. A porta, abriu-lhe o próprio marido honesto. Ele pálido, segurava na mão os recibos da casa de penhores, que tirou da mesa da Maria.
- Onde estavas tu? Não dormi toda a noite! Onde estavas?
Toda a sua alma tremia, mas a gola com agilidade guiava a sua linha.
- Onde estive? Com um estudante esvoacei.
O marido honesto balançou.
- Maria! Mariazinha! Que se passa contigo! Diz-me, porque empenhaste as coisas? Porque pediste emprestado dinheiro aos Fonsecas e Pereiras? Onde meteste o dinheiro?
- Dinheiro? Esbanjei!
E metendo as mãos nos bolços, ela assobiou, como antes nunca soube fazer. Aliás, como sabia ela essa palavra parva “esbanjei”? Será que ela disse isso?
O marido honesto largou-a e transferiu-se para outra cidade. Mas a maior amargura é que no dia seguinte, depois da partida, a gola perdeu-se na lavandaria.
A Maria dócil trabalha num banco. Ela é tão modesta, que fica corada cada vez que ouve qualquer coisa indecorosa.
- E onde está a gola? – Perguntam vocês.
- Não sei nada de nada, respondo eu – Ela foi dada à lavandaria, é aí que tem de perguntar. É a vida!...
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